Transtorno de Personalidade Esquizoide: A solidão não é sempre escolha
- Jackson Ferreira
- 24 de jul.
- 6 min de leitura
Já parou para pensar que algumas pessoas vivem imersas em silêncio, não porque não gostem dos outros, mas porque se sentem mais seguras assim? Elas preferem o mundo interior ao barulho das relações sociais, não ligam para elogios nem se abalam com críticas, e talvez você jamais perceba o que se passa dentro delas — não por falta de emoção, mas por uma forma diferente de sentir e existir. Esse é o universo pouco compreendido de quem vive com Transtorno de Personalidade Esquizoide.
Este não é um texto para rotular, mas para iluminar. Porque muitas pessoas vivem à margem, rotuladas como “frias”, “estranhas” ou “antissociais”, quando na verdade enfrentam um modo particular e silencioso de estar no mundo.

O que é o Transtorno de Personalidade Esquizoide?
O Transtorno de Personalidade Esquizoide é uma condição psicológica caracterizada por um padrão duradouro de distanciamento das relações sociais e uma limitação na expressão emocional. Quem apresenta esse transtorno geralmente:
Prefere atividades solitárias;
Tem pouco ou nenhum interesse por relações íntimas, inclusive familiares;
Mostra-se indiferente a elogios ou críticas;
Parece emocionalmente frio, distante ou desconectado;
Dificilmente demonstra raiva, alegria ou outras emoções com intensidade;
Tem dificuldade de perceber normas sociais sutis (como expressões faciais ou tom de voz).
É importante lembrar: essas pessoas não são más, insensíveis ou arrogantes. Muitas vezes, elas apenas têm dificuldade real em acessar e expressar o que sentem. E, diferente do que se pensa, não sofrem por estar sozinhas, mas podem sofrer por não serem compreendidas.
Transtorno de personalidade esquizoide x Esquizofrenia: entenda a diferença
Uma confusão comum é associar esse transtorno à esquizofrenia. Embora os nomes sejam parecidos, são condições distintas.
A esquizofrenia é um transtorno psicótico grave, com sintomas como delírios, alucinações e desorganização do pensamento. Já o transtorno de personalidade esquizoide não envolve delírios ou alucinações. A pessoa está plenamente consciente da realidade, mas opta por manter distância dos laços afetivos por um padrão internalizado de comportamento.
Ou seja, o esquizoide não está desconectado da realidade, mas sim desconectado das dinâmicas emocionais e sociais como forma de proteção ou por uma estrutura de personalidade consolidada.
Uma Perspectiva do DSM-5
Considero fundamental esclarecer a complexidade dos Transtornos de Personalidade. Agora, vamos nos aprofundar na definição do Transtorno de Personalidade Esquizoide (TPE), conforme o conceituado Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, (DSM-5). Este manual é a referência principal, (mas não única) para o diagnóstico de transtornos mentais, e sua compreensão é crucial para a prática clínica.
O DSM-5 descreve o TPE como um padrão persistente de distanciamento das relações sociais e uma gama restrita de expressão de emoções em contextos interpessoais. Em essência, estamos falando de indivíduos que demonstram uma notável falta de interesse em interações sociais, preferindo a solidão e exibindo uma aparente indiferença às emoções dos outros.
Para um diagnóstico de TPE, o DSM-5 exige a presença de quatro (ou mais) dos seguintes critérios, que devem ter início na idade adulta jovem e manifestar-se em diversas situações:
Não deseja nem desfruta de relações íntimas, incluindo fazer parte de uma família: Há uma ausência genuína de interesse em construir ou manter laços próximos, mesmo com familiares.
Quase sempre escolhe atividades solitárias: A preferência por atividades individuais é marcante, com pouco ou nenhum envolvimento em grupos ou interações sociais.
Tem pouco ou nenhum interesse em ter experiências sexuais com outra pessoa: A atração e o desejo por atividades sexuais com parceiros são significativamente reduzidos ou inexistentes.
Desfruta de poucas atividades, se é que desfruta de alguma: Existe uma dificuldade em experimentar prazer na maioria das atividades, mesmo aquelas que geralmente são consideradas agradáveis.
Não tem amigos íntimos ou confidentes, exceto, talvez, parentes de primeiro grau: O círculo social é extremamente limitado, muitas vezes restrito a poucos familiares próximos, e mesmo com estes, a conexão é superficial.
Parece indiferente ao elogio ou à crítica dos outros: As reações a comentários, sejam eles positivos ou negativos, são mínimas, indicando uma falta de preocupação com a opinião alheia.
Mostra frieza emocional, distanciamento ou afeto embotado: A expressão das emoções é muito contida, o que pode levar a pessoa a ser percebida como "fria" ou desinteressada.
É importante sublinhar que o TPE não deve ser confundido com timidez ou introversão. Indivíduos tímidos ou introvertidos podem desejar conexões sociais, mas sentem ansiedade ou preferem ambientes mais calmos. No caso do TPE, a falta de desejo por interação social é intrínseca, e a solidão é frequentemente o estado preferido.
O DSM-5 também especifica que esses padrões de comportamento não devem ser melhor explicados por outro transtorno mental (como Transtorno do Espectro Autista ou um Transtorno Psicótico) e não devem ser atribuíveis aos efeitos fisiológicos de substâncias ou outras condições médicas.
Traço ou Transtorno? Quando a solidão se torna um certo fardo, mas não um transtorno
É natural que algumas pessoas tenham um perfil mais introspectivo e reservem sua energia para atividades individuais. Isso é o que chamamos de traço de personalidade esquizoide — e não significa que há um transtorno.

No entanto, quando esse padrão é tão rígido a ponto de prejudicar a vida pessoal, profissional e afetiva, dificultando o convívio e impedindo o crescimento emocional, pode configurar um transtorno de personalidade esquizoide.
A diferença está no impacto funcional: se a introspecção vira isolamento prejudicial, é hora de buscar ajuda.
Os dois tipos de esquizoides: o Clássico e o Ativo
Dentro do espectro esquizoide, estudiosos como Theodore Millon identificaram duas manifestações principais:
🧊 Esquizoide Clássico:
São pessoas extremamente reservadas, passivas, introspectivas e avessas à socialização. Vivem em um mundo interior riquíssimo, mas evitam contato humano sempre que possível. Geralmente são vistas como indiferentes ou frias, mas isso se deve ao seu estilo emocional restrito.
🔍 Esquizoide Ativo:
Aqui, a pessoa pode até ter contatos sociais e participar de ambientes públicos, mas mantém um distanciamento afetivo. É aquele colega que vai ao trabalho, conversa o necessário, mas nunca se envolve emocionalmente. Ela constrói “muros emocionais”, mesmo parecendo funcional.
Existe tratamento? Sim, e ele pode transformar vidas.
Embora muitas vezes quem tem esse transtorno não procure ajuda espontaneamente, o acompanhamento psicológico pode ser um divisor de águas. O foco da psicoterapia — especialmente a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) — está em:
Ajudar a identificar e compreender emoções;
Trabalhar crenças disfuncionais sobre vínculos afetivos;
Desenvolver habilidades sociais, respeitando os limites da pessoa;
Ampliar o repertório emocional, de forma gradual e segura.
A psicoterapia não busca mudar quem a pessoa é, mas sim ajudá-la a viver de forma mais leve, funcional e conectada, inclusive com ela mesma.
Qualidade de vida: é possível ser feliz sendo quem se é
Pessoas com traços esquizoides não precisam “se forçar” a serem sociais ou extrovertidas. Elas têm o direito de viver com tranquilidade, respeitando seu estilo, desde que isso não comprometa sua saúde emocional ou relacional.
A chave está no autoconhecimento e na aceitação gentil de si mesmo, aliada ao desenvolvimento de recursos que ajudem a lidar com o mundo de forma menos dolorosa. Ninguém precisa estar “curado” para viver bem. Precisa apenas estar em movimento, com um olhar acolhedor para a própria história.
Para quem convive com um esquizoide
Acolher alguém com esse transtorno requer paciência, empatia e compreensão. Evite cobranças emocionais, não interprete o silêncio como desinteresse e aprenda a respeitar o espaço do outro. Muitas vezes, o amor dessas pessoas se expressa em gestos sutis — uma presença constante, uma ajuda prática, um silêncio respeitoso.
Conclusão: O silêncio nem sempre é vazio
O transtorno de personalidade esquizoide é um convite a enxergarmos além do que é visível. É sobre aprender que há pessoas que sentem diferente, se expressam diferente — e que isso não as torna menos humanas.
Se você se identificou com esse texto ou reconhece alguém próximo assim, talvez seja hora de abrir caminhos para o diálogo interior. Porque por trás de muitos silêncios, existem histórias esperando para serem ouvidas — mesmo que em voz baixa.
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Referências bibliográficas:
MILLON, Theodore. Transtornos da Personalidade: Diagnóstico e Tratamento. Porto Alegre: Artmed, 2000.
BECK, Judith S. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. Porto Alegre: Artmed, 2013.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J. Compêndio de Psiquiatria: Ciências do Comportamento e Psiquiatria Clínica. Porto Alegre: Artmed, 2017.
CORDIOLI, Aristides Volpato. Terapias Cognitivas: Fundamentos e Aplicações. Porto Alegre: Artmed, 2008.
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