Des - regulação Emocional: Quando as emoções sequestram a sua vida
- unidadepsi
- 30 de abr.
- 5 min de leitura
Atualizado: 2 de mai.
Sabe aquele texto que publicamos sobre pessoas de personalidade forte ou explosiva? Pois é...Muita gente se identificou. Muita gente se viu ali — no limite da raiva, da tristeza, da vergonha. Mas o que poucos sabem é que, por trás desses comportamentos intensos, existe um nome técnico que a psicologia estuda profundamente: Desregulação Emocional.
Talvez você conheça essa sensação sem nunca ter colocado um rótulo nela:
Explodir por pequenas coisas.
Chorar por algo que parece bobo.
Sentir uma raiva que toma conta antes mesmo de entender o motivo.
Querer pedir desculpas, mas sentir o orgulho travando na garganta.
E aí, no fim do dia, sobra o peso da culpa... e a pergunta silenciosa: "Por que eu sou assim?"

O que é desregulação emocional?
De maneira simples, desregulação emocional é a dificuldade de reconhecer, modular e responder de forma adequada às próprias emoções. Não é "falta de educação". Não é "drama". Não é "frescura". É uma batalha interna real, muitas vezes invisível — e profundamente exaustiva.
Em uma pessoa com regulação emocional saudável, emoções como raiva, medo ou tristeza surgem, mas são processadas de forma que não dominam completamente seu comportamento. Já na desregulação emocional, essas emoções chegam como uma avalanche: intensas, rápidas, difíceis de controlar — muitas vezes levando a explosões, impulsividades ou retraimentos profundos.
E o pior: muitas vezes, a pessoa não entende o que está sentindo. Só sente demais.
De onde vem essa dificuldade?
A desregulação emocional pode ter várias raízes. Entre elas:
Infância instável: Ambientes familiares onde emoções foram invalidadas (“engole esse choro!”) ou negligenciadas.
Traumas: Vivências que geraram insegurança crônica.
Transtornos emocionais: Como Transtorno de Personalidade Borderline, Depressão, Transtorno de Ansiedade Generalizada.
Fatores biológicos: Algumas pessoas têm sistemas nervosos naturalmente mais sensíveis.
Segundo Linehan (1993), criadora da Terapia Comportamental Dialética (DBT), a combinação entre uma alta vulnerabilidade emocional e um ambiente invalidante é o “terreno fértil” para a desregulação emocional se instalar.
Sinais de que algo precisa de atenção
Oscilações de humor intensas e frequentes.
Reações desproporcionais ao contexto.
Dificuldade em se acalmar após um pico emocional.
Sentimentos crônicos de vazio ou inutilidade.
Impulsividade em momentos de estresse (compras, brigas, desistências).
Atenção: sentir emoções intensas não é, por si só, um problema. O problema é quando essas emoções começam a dominar a sua vida, suas relações e seu senso de identidade.
Como cuidar desse “terremoto interno”?
A boa notícia é: regulação emocional é uma habilidade. E habilidades podem ser aprendidas. Terapias como a Terapia Comportamental Dialética (DBT), Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e abordagens de mindfulness têm mostrado grande eficácia nesse processo.
Pesquisas científicas comprovam:
Terapia Comportamental Dialética (DBT) demonstrou redução significativa de comportamentos impulsivos e melhora na estabilidade emocional em pacientes com desregulação severa (Linehan, 1993).
Mindfulness promove maior capacidade de observar emoções sem ser dominado por elas, melhorando o controle emocional geral (Keng, Smoski e Robins, 2011).
Aprender a nomear sentimentos, entender gatilhos, desenvolver estratégias de regulação e praticar autocompaixão são passos fundamentais no caminho da transformação emocional.
Um Roteiro Terapêutico para a Regulação Emocional
A regulação emocional não é apenas um talento inato. É uma habilidade — e como toda habilidade, ela pode ser cultivada com prática, reflexão e acompanhamento adequado. Inspirado no Modelo Modal das Emoções, proposto por James Gross (2014), apresentamos a seguir um exercício prático de autoanálise, que pode ser feito sozinho ou, preferencialmente, com o acompanhamento de um psicólogo.
Este exercício ajuda a identificar os momentos exatos em que a emoção começa a se formar, e nos convida a intervir de maneira mais consciente, escolhendo respostas ao invés de reações automáticas.
O Ciclo Emocional: Treinamento da Situação à Resposta
Dividido em 5 etapas, este modelo permite mapear com clareza a cadeia emocional — e começar a agir com mais autonomia em cada ponto de escolha:

Situação ->Modificação-> Atenção -> Avaliação -> Resposta Emocional
1. Seleção da Situação
“O que posso evitar ou escolher hoje, sabendo como determinadas situações me afetam emocionalmente?”
Reflexão prática: Pense nas situações que costumam te levar ao limite emocional. Você realmente precisa estar nelas? Poderia evitá-las, adiar ou se preparar melhor para enfrentá-las?
Exemplo: Se reuniões longas e conflituosas no trabalho te esgotam, você pode sugerir encontros mais objetivos ou buscar suporte antes de entrar nelas.
2. Modificação da Situação
“Como posso alterar o ambiente ou a dinâmica da situação para que ela seja menos impactante emocionalmente?”
Reflexão prática: Você pode transformar o cenário? Mudar sua posição, pedir ajuda, renegociar, propor um limite ou uma nova abordagem?
Exemplo: Num conflito familiar, talvez seja possível interromper a conversa para retomá-la em outro momento, com mais calma e empatia.
3. Redirecionamento da Atenção
“Para onde vai meu foco quando começo a me sentir mal? Existe outra direção mais saudável?”
Reflexão prática: Preste atenção em como você fixa o olhar ou os pensamentos quando algo te afeta. Você está ruminando? Revivendo mágoas? Experimente mudar o foco: respiração, um objeto neutro, uma música, ou sair para caminhar.
Exemplo: Durante uma crise de ansiedade, redirecionar a atenção para a contagem dos passos ou o ritmo da respiração pode evitar o agravamento da emoção.
4. Mudança Cognitiva (Reavaliação)
“Que outra interpretação posso dar a isso que estou sentindo agora?”
Reflexão prática: A forma como interpretamos uma situação afeta profundamente o que sentimos. Que outra história poderia contar a si mesmo sobre o que aconteceu?
Exemplo: Ao ser ignorado em uma mensagem, em vez de pensar "não me valorizam", você pode pensar "a pessoa pode estar ocupada ou passando por algo".
5. Modulação da Resposta
“Como posso expressar o que sinto de forma construtiva, sem me perder em reações impulsivas?”
Reflexão prática: Quando já estiver sentindo a emoção, o que pode te ajudar a responder de forma mais saudável? Técnicas de respiração? Escrita? Diálogo estruturado?
Exemplo: Se a raiva estiver muito intensa, espere 20 minutos, escreva o que sente num bloco de notas, revise e só depois converse com a outra pessoa.
Como usar esse exercício?
Você pode aplicar esse roteiro para analisar um episódio emocional recente. Escreva, desenhe ou fale sobre ele com seu terapeuta. O simples ato de mapear o ciclo emocional já reduz a força do “automático” e aumenta o controle consciente.
Lembre-se: o objetivo não é reprimir emoções, mas aprender a dançar com elas. A regulação emocional não transforma você em um robô... mas em alguém que sente profundamente — e mesmo assim consegue escolher com clareza como agir.
Sentir dor emocional não te faz fraco
Você sente muito? Talvez seja porque você vive muito. Talvez seja porque sua sensibilidade é uma força ainda não compreendida.
O que você precisa não é se endurecer. É aprender a navegar o oceano que carrega dentro de si.
Assim como quem aprende a surfar não precisa acabar com as ondas, mas aprender a dançar com elas — você também pode aprender a dançar com suas emoções.
O vazio, a explosão, o choro silencioso… tudo isso tem espaço para ser ouvido. E curado. Não precisa seguir em guerra consigo mesmo.
Cuidar da saúde emocional é um ato de amor próprio e de coragem silenciosa.
Referências:
LINEHAN, Marsha M. Cognitive-Behavioral Treatment of Borderline Personality Disorder. New York: Guilford Press, 1993.
KENG, Shian-Ling; SMOSKI, Moria J.; ROBINS, Clive J. Effects of mindfulness on psychological health: A review of empirical studies. Clinical Psychology Review, v. 31, n. 6, p. 1041–1056, 2011.
GROSS, James J. Emotion regulation: Affective, cognitive, and social consequences. Psychophysiology, v. 39, n. 3, p. 281-291, 2002.
GRATZ, Kim L.; ROEMER, Lizabeth. Multidimensional assessment of emotion regulation and dysregulation: Development, factor structure, and initial validation of the difficulties in emotion regulation scale. Journal of Psychopathology and Behavioral Assessment, v. 26, p. 41-54, 2004.
FONSECA, Ana da Silva; TELES, J. P. Desregulação emocional: implicações clínicas e psicoterapêuticas. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 7, n. 2, p. 75-80, 2011.
NEIMEYER, Robert A. Aprender a perder: Uma abordagem construtivista da terapia do luto. Porto Alegre: Artmed, 2006.
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