A Fantasia da Maternidade: Quando Nasce um Filho... e Também um Universo de Emoções
- Jackson Ferreira
- 4 de jun. de 2016
- 3 min de leitura
Atualizado: há 3 dias
Você já parou para pensar que a gestação e o nascimento de um bebê é também é o nascimento de duas novas identidades? Uma mulher não apenas dá à luz um filho — ela também se dá à luz como mãe e ao companheiro como Pai. É um rito de passagem silencioso e poderoso para ambos, mas aqui vamos focar nessa jornada onde a mente feminina entra em uma nova fase de desenvolvimento e integração, como descreveu Maldonado (1976).
Mas esse nascimento simbólico não acontece sem dor. E não estamos falando da física.

O filho ideal e o bebê real: entre fantasias e frustrações da Maternidade
Durante a gestação, sonhos se formam. Imagens são criadas. A mulher fantasia sobre o bebê — o comportamento, o temperamento, o rostinho, o futuro. Essa construção psíquica é natural, até necessária. Ela ajuda a mãe a se preparar emocionalmente para o que está por vir. Segundo Maldonado, essa fase de “elaboração fantasmática” permite que a mulher molde internamente o espaço para esse novo ser. É o processo psicológico que transforma o “feto” no “filho”.
Mas há um detalhe importante: o bebê real nunca corresponde exatamente ao bebê idealizado.
Ele pode chorar demais, dormir de menos, rejeitar o peito, ter uma condição de saúde inesperada — ou simplesmente não ser como aquele bebê perfeito imaginado em sonhos. E esse descompasso entre o esperado e o encontrado pode gerar angústia, frustração e até culpa.
Moir (apud Silva, 1988) afirma que, quando o filho não corresponde às expectativas dos pais, isso fere sua autoestima — afinal, o bebê é visto inconscientemente como uma extensão de si mesmos, como um “produto” que representa a qualidade do amor, do cuidado e até do próprio valor pessoal dos pais.
A dor que ninguém vê: o luto pelo filho idealizado
Esse processo, muitas vezes silencioso, pode ser devastador. A mãe (e o pai) podem experimentar algo muito parecido com um luto. Um luto que não é socialmente reconhecido, pois não houve uma perda concreta — mas sim simbólica. O filho idealizado precisa ser deixado de lado para que o vínculo com o filho real possa florescer. E isso exige maturidade emocional, suporte psicológico e, sobretudo, espaço para sentir.
Quando nasce um filho, nasce também uma nova família
O nascimento de um bebê não transforma apenas a mulher em mãe. Ele ressignifica todo o tecido familiar. Pais se tornam avós. Irmãos viram tios. E cada um desses novos papéis exige adaptação, reflexão e reestruturação emocional.
O acompanhamento psicológico durante a gestação — e especialmente no puerpério — não é um luxo. É uma necessidade. Uma forma de ajudar a mulher ( e também o Pai! ) a entender que as emoções ambivalentes — amor e medo, alegria e culpa, desejo e rejeição — fazem parte do processo.
O cérebro da mãe muda com a gravidez
Estudos de neuroimagem realizados na Holanda mostraram que a gravidez literalmente altera a estrutura cerebral da mulher, especialmente nas áreas ligadas à empatia e à leitura emocional. Essas mudanças persistem por pelo menos dois anos após o parto — o que significa que o cérebro se reorganiza para que a mãe seja capaz de compreender e proteger seu bebê mesmo sem palavras (Hoekzema et al., 2017). Um verdadeiro milagre da neuroplasticidade.
Acolher a mãe é cuidar do bebê
A sociedade ainda romantiza demais a maternidade, como se junto com ela viessem poderes mágicos e ela de repente soubesse tudo o que tem que fazer, e fala de menos sobre seus bastidores emocionais. Entre o ideal e o real, há uma mulher tentando se reconhecer nesse novo papel e aprendendo a ser mãe — muitas vezes sem apoio, sem escuta e sem compreensão. Cuidar dessa mulher não é apenas um ato de empatia, é um investimento no futuro emocional de uma nova geração.
Porque, no fim das contas, o bebê real precisa mais de uma mãe real — vulnerável, humana, emocionalmente presente — do que de um ideal inatingível.
Referências :
MALDONADO, M.T.P. Psicologia da gravidez. Petrópolis: Vozes, 1976.
SILVA, S. F. Experiências e necessidades de mães após o diagnóstico de deficiência mental do filho. São Carlos: UFSCAr, 1988. (Dissertação de Mestrado)
HOEKZEMA, E. et al. Pregnancy leads to long-lasting changes in human brain structure. Nature Neuroscience, v. 20, n. 2, p. 287–296, 2017.
WINNICOTT, D. W. O bebê e sua mãe. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
BENEVIDES, R. & COSTA, N. R. A saúde mental perinatal: desafios e possibilidades para a atenção psicossocial. Ciência & Saúde Coletiva, v. 17, n. 3, p. 649-658, 2012.
KLAUS, M. H.; KENNELL, J. H. Vínculo entre pais e bebês: formação e consequências. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.